LIKE A VIRGIN (OU NÃO)
* Conto anônimo enviado para a revista Twist (agosto 1991) *
A garota gostava da Madonna quando tinha 10 anos. Nem tinha menstruado ainda.
Aos 10 anos já achava “Like a Virgin” meio boba. “Oh, meu amor, você faz meu coração bater”. Que idiotice.
Ela preferia “Material Girl”. Nós vivemos num mundo materialista – e ela era uma garota materialista.
A garota foi ao cinema num domingo à tarde. Meio triste, meio livre. Completamente sozinha.
Ela se achava sem graça. Ou engraçada demais. Idiota. Ou inteligente demais. Magrela. Mas peituda demais. E bunduda demais.
Ela não queria ter peito nem bunda nem nada que fizesse os caras olharem pra ela. Ficar sozinha era pesado – mas era melhor que ouvir os caras idiotas falando merda.
O cinema estava quase vazio. Cinema cultural. O filme se chamava “Coração Selvagem”. A mocinha e o mocinho eram selvagens. Ela alta, magra, sem peito. Ele narigudo e carente. Eles cruzavam o país num carro conversível, fugindo de gente malvada e esquisita. Tudo dava errado. No fim ele corria sobre os carros engarrafados e cantava “Love Me Tender” para ela.
Tão brega e tão meloso que era bonito.
Tudo exagerado. Feio. Desesperado. Apaixonado. Cafona.
Ela queria ser assim. No fundo, ela era assim.
Na rua ela encontrou o Garoto de Coturnos. Eles já se conheciam.
Ele era um pouco assim também – feio, desesperado – como ela.
O Garoto morava longe com um irmão que nunca estava em casa.
Eles foram de ônibus. Ele disse que ia mostrar uns discos e ela sabia que era uma desculpa e ela foi mesmo assim.
Ele perguntou se podia dar um beijo nela. Ela deixou.
Ele perguntou se podia por a mão no peito dela. Ela deixou.
Tirar a blusa, ela deixou.
Ele colocou o dedo para ela acostumar. Porque ela era virgem.
Ela gostou. Ela estava gostando mesmo. Ela até ajudou quando ele abriu a camisinha. O pinto dele era bonito. Ela queria pegar.
Mas depois – com a camisinha – foi estranho.
Ela quase não sentiu. Rápido demais. Escorregadio. Plástico.
Ela sabe – todo mundo sabe – que precisa usar camisinha. Aparece na televisão desde que ela era criança: “João que amava Teresa que amava Raimundo que morreu de Aids”.
O Garoto de Coturnos também deve ter visto essa propaganda. Ele fez tudo certinho e parecia preocupado. Quem olha de fora acha que ele é selvagem, por causa dos coturnos. Mas ele é só um garoto. Não correu sobre os carros nem cantou como Elvis Presley. Mas foi bonzinho e perguntou se estava tudo bem.
Ela disse que sim. Apesar da camisinha, tudo estava bem.
Nós vivemos em um mundo materialista.
Mas a Madonna não era tão boba assim. “Oh, meu amor, você faz meu coração bater.” Isso às vezes acontece.
A garota gostava da Madonna quando tinha 10 anos. Nem tinha menstruado ainda.
Aos 10 anos já achava “Like a Virgin” meio boba. “Oh, meu amor, você faz meu coração bater”. Que idiotice.
Ela preferia “Material Girl”. Nós vivemos num mundo materialista – e ela era uma garota materialista.
A garota foi ao cinema num domingo à tarde. Meio triste, meio livre. Completamente sozinha.
Ela se achava sem graça. Ou engraçada demais. Idiota. Ou inteligente demais. Magrela. Mas peituda demais. E bunduda demais.
Ela não queria ter peito nem bunda nem nada que fizesse os caras olharem pra ela. Ficar sozinha era pesado – mas era melhor que ouvir os caras idiotas falando merda.
O cinema estava quase vazio. Cinema cultural. O filme se chamava “Coração Selvagem”. A mocinha e o mocinho eram selvagens. Ela alta, magra, sem peito. Ele narigudo e carente. Eles cruzavam o país num carro conversível, fugindo de gente malvada e esquisita. Tudo dava errado. No fim ele corria sobre os carros engarrafados e cantava “Love Me Tender” para ela.
Tão brega e tão meloso que era bonito.
Tudo exagerado. Feio. Desesperado. Apaixonado. Cafona.
Ela queria ser assim. No fundo, ela era assim.
Na rua ela encontrou o Garoto de Coturnos. Eles já se conheciam.
Ele era um pouco assim também – feio, desesperado – como ela.
O Garoto morava longe com um irmão que nunca estava em casa.
Eles foram de ônibus. Ele disse que ia mostrar uns discos e ela sabia que era uma desculpa e ela foi mesmo assim.
Ele perguntou se podia dar um beijo nela. Ela deixou.
Ele perguntou se podia por a mão no peito dela. Ela deixou.
Tirar a blusa, ela deixou.
Ele colocou o dedo para ela acostumar. Porque ela era virgem.
Ela gostou. Ela estava gostando mesmo. Ela até ajudou quando ele abriu a camisinha. O pinto dele era bonito. Ela queria pegar.
Mas depois – com a camisinha – foi estranho.
Ela quase não sentiu. Rápido demais. Escorregadio. Plástico.
Ela sabe – todo mundo sabe – que precisa usar camisinha. Aparece na televisão desde que ela era criança: “João que amava Teresa que amava Raimundo que morreu de Aids”.
Ela sabe – todo mundo sabe – que
precisa usar camisinha. Aparece na televisão até nos intervalos de
desenho animado: “João que amava Teresa que amava Raimundo que
morreu de Aids”.
Ela disse que sim. Apesar da camisinha, tudo estava bem.
Nós vivemos em um mundo materialista.
Mas a Madonna não era tão boba assim. “Oh, meu amor, você faz meu coração bater.” Isso às vezes acontece.
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