Cachorra com lacinhos

* Escrito em Junho 2006. Para a coluna Casada/Solteira da revista TPM

Meu sonho de adolescente era morar num hotel. Um lugar pequeno, claro e neutro. Me parecia que os lençóis de hotel eram sempre feitos de algodão pesado e macio. Eu precisaria apenas de uma máquina de escrever, ficaria tranqüila em meu quarto trabalhando, as refeições seriam servidas sempre no mesmo horário, e uma camareira faria a pouca limpeza necessária.

Nos apartamentos em que morei quando solteira, nunca coloquei um enfeite, uma toalhinha bordada, nada que acumulasse pó: somente comprava os objetos necessários, fazendo um esforço mínimo para que combinassem e não chamassem a atenção.

Depois que casei, meu ideal de simplicidade doméstica foi virado de cabeça pra baixo. As paredes ficaram lotadas de quadros, sobre a estante há uma coleção de bondes em miniatura, um avião de brinquedo e uma Branca de Neve sem braços no jardim.

Meu marido adora ficar em casa e seu ideal de conforto tem prioridades claras: a primeira coisa que comprou foi um sofá. Não foi uma compra simples: visitou pelo menos seis lojas, sentava em todos os sofás disponíveis, um conforto mediano não era suficiente para ele. Queria o sofá ideal.

Quando encontrou o que queria, me levou até a loja para que eu experimentasse também. Sentamos juntos, sentimos o encosto, a densidade das almofadas, a maciez do tecido. Logo que chegou em casa, o sofá ganhou até nome: é o Sófacles. Isso porque somos intelectuais e gostamos de teatro.

O cuidado em escolher o sofá se repetiu nos lustres, nos penduradores de toalha, nos talheres, no destrinçador de frango. A diversão dele é passear em feiras de antiguidade procurando coisas para a casa.

A sala foi ficando cheia de peças antigas, todas diferentes umas das outras, até que ele resolveu organizar pequenos “cantos” temáticos: no lado da mesa estão os quadros e as peças dos anos sessenta. Perto da janela, uma poltrona “inglesa” e um lustre mais clássico. Em volta do sofá, pequenas esculturas africanas e fotos de família.

Por um lado comovida com o capricho que ele dedicava à casa, de todo modo acostumada à minha tranqüilidade passiva, eu fui apenas observando o ambiente se transformar à minha volta. A maçaneta da porta já mudou três vezes. O suporte da caixa de som é feito de muletas cimentadas em latas de bolacha. Há um berimbau encostado na parede, esperando uma visita que saiba tocar.

Com tudo isso, ele reclama quando a cadela vai tomar banho e volta com lacinhos nas orelhas. Meu pequeno prazer feminino é ver a cachorra com lacinhos, mas ele não quer.

Ele pode ter uma coleção de trinta e oito garrafas de azeite na cozinha. Mas os lacinhos na cachorra são exagero.

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