Uma mulher sem ambição - uma introdução

Escrevi este prefácio para meu novo livro, em fase de revisão, "Uma mulher sem ambição" (título provisório):

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"Escrevi este diário há alguns anos. Eu tinha tempo livre na época.

Era 2010, o país estava feliz. As pessoas tinham orgulho de ser brasileiras.

As ruas estavam cheias de carros, bares e restaurantes cheios de clientes. Os aeroportos lotados, os voos carregados de pessoas que antes viajavam de ônibus. As construtoras erguiam prédios, famílias compravam apartamentos com financiamentos de centenas de milhares de reais em prazos de trinta anos.

Todos queriam estudar, as faculdades ampliavam suas instalações. Os jornais falavam em nova classe média, a ascensão da classe C.

Era surpreendente pra mim. Fiquei adolescente numa época em que, diziam, a saída para o país eram Cumbica e o Galeão. Os aeroportos internacionais. Me tornei uma adulta desconfiada.

Apesar da juventude traumatizada, eu mesma aceitei a ideia de prosperidade, depois de alguns anos de euforia coletiva. Não precisávamos temer a miséria para amanhã.

Apareceram novos empregos na minha área de formação. O governo criou uma lei de incentivo e, de um ano para outro, os profissionais jovens conseguiram trabalhos criativos e bem remunerados. Logo depois meus antigos colegas, com idade para serem encostados, foram todos contratados.

Mas fiquei fora disso tudo. Eu já tinha desistido da carreira em que me formei. Meus compatriotas gozavam a fatura e eu fui pelo caminho oposto.

A história da minha família me ensinou que as carreiras se desfazem facilmente. Meu pai ficou desempregado no mesmo ano em que comecei a trabalhar. Talvez por isso eu estivesse atenta aos mais velhos, quando comecei. O dono da empresa tinha uns 50 anos e apareciam velhos amigos endividados, pedindo por favor algum bico ou dinheiro emprestado. Era a crise dos anos 1990 e eles tinham perdido seus trabalhos.

Quando recebi as primeiras promoções, eu esperava que uma nova crise poderia chegar a qualquer momento. Mesmo contratada, elogiada e superocupada, eu não acreditava que o sucesso pudesse durar. É mais fácil crescer quando estamos começando. Aos trinta anos eu percebi que não seria chefe de nada. Não tinha o impulso de competir ou mandar. Comecei a ter medo que, não sendo chefe, eu logo seria a velha amiga descartável que precisaria de favores pra continuar trabalhando.

Fiquei alguns anos refletindo sozinha sobre a ideia de desistir. Tinha dúvidas se minha desconfiança sobre o futuro era sinal de lucidez ou medo. Desistir antecipadamente pode ser uma estratégia inteligente. Ou autossabotagem. Tudo parecia melhorar, mas para mim parecia uma fantasia. Todos estavam empregados, viajando de avião, comprando carros e apartamentos, e mesmo assim eu não acreditava.

Já se passaram dez anos. Agora ninguém mais acredita em nada."


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