Proposta e pedido (texto de 2001)

Encontrei nos meus arquivos antigos o backup do site que tive de 2000 a 2003, antes da popularização dos blogs. Ficava hospedado no Tripod.com. Eu escrevia os textos no word, salvava como html e subia para o site. Esqueci onde tinha guardado a pasta com todos esses arquivos html, mas finalmente hoje achei.

(para quem não sabe, o Tripod, segundo a wikipedia, era um serviço de hospedagem de internet, para estudantes universitários e jovens adultos; um entre vários sites que tentavam construir comunidades virtuais durante os anos 1990. Faz parte da primeira geração de conteúdo gerado pelos usuários)

Meu site chamava "Ferida". Era uma página onde eu organizava os textos que mandava por email para minha primeira lista de leitores. Meu grande orgulho é que Laerte, na época, leu e gostou. "Parece um brechó de textos", ele disse (nesses anos ela performava a masculinidade).

Entre as várias fases do site, houve um período em que resolvi escrever em interação com os leitores. Numa fase de baixa motivação, pedi que me mandassem ideias.

Foi assim que expliquei a proposta:


Proposta e pedido 

(dezembro de 2001)

Eu vou dizer uma coisa que talvez choque alguns de vocês; na verdade, talvez entedie. Vocês sabem que uma boa obsessão não tem fim; é um eterno incômodo que te empurra a lugares ou desejados ou insuspeitos; e o final, se existe, reduz-se ao tédio.

Pois eu me obsessiono com a idéia de ser escritora desde os doze ou treze anos de idade. Uma idade em que, acreditava, eu não tinha nada a dizer. Então ao mesmo tempo em que pensava que as pessoas escrevem para dizer alguma coisa, eu me encontrava nesta situação, um tanto patética, de querer muito escrever, e ao mesmo tempo saber que eu não sabia nada, não queria dizer nada.

A solução temporária disso foi um arranjo mental, provavelmente em sintonia com minha adolescência - e um desejo quase suicida de transar – onde estabeleci uma espécie de equilíbrio dinâmico com dois parâmetros complementares: eu me envolvia em situações sexuais exóticas e despropositadas, acima de tudo aleatórias, que me deixavam desconfiada ou extasiada, davam-se sensação de coragem, de ser diferente, de fazer algo que ninguém tinha peito (literalmente) para fazer. Esses fatos e sensações, que eu buscava a propósito, me enchiam de experiência, e me serviam de material para escrever. Nesse processo ainda, como brinde, eu garantia o interesse alheio, pois havia uma espécie de interesse mundial pelas confissões sexuais femininas, um corrente que desaguou em alguns sucessos editoriais nos últimos anos.

O caso é que esse estilo se esgotou. Em mim ao menos, ultimamente, ele desperta mais tédio que interesse. Talvez seja a idade, talvez seja algo próprio mesmo da atividade sexual, que tem uma tendência ontológia para a repetição. Quer dizer, nada contra a repetição praticada, mas a repetição escrita tem me cansado. E por isso estou há alguns meses em silêncio, pensando no que bem fazer da minha vida.

Tentei alguns métodos tradicionais de relação entre escritor e material de escrita, como entrevistas, recortes de jornal, retratos de conhecidos e anotações de lembranças esparsas. Pensei em fazer um romance sobre Canudos, uma história recente da esquerda brasileira, um livro sobre meus vizinhos e os paralelepípedos da calçada. Mas tudo isso, à exceção dos paralelepípedos, me desanima e entedia mortalmente.

Foi então que lembrei de vocês, meus amigos, que sempre tão gentilmente receberam estas mensagens que mando, sem raramente reclamar, acolhendo-me simpaticamente nesta comunidade dispersa e eletrônica.

Lembrei de vocês, como alento para minha frágil determinação literária, e eis a proposta que lhes faço:

Continuarei escrevendo, com a possível ironia, algum sentimento e sutil tristeza, na medida de minhas forças e tempo. Mas como estou vazia de idéias e intuições, peço a vocês que me mandem o que lhes ocorrer, qualquer sugestão de tema, idéia ou situação.

Escreverei cartas de amor se me pedirem, poemas, ou mesmo agressões, e, se for útil a vocês, ofenderei quem me pedirem, impiedosamente até o vexame público.

Ou escreverei histórias para crianças, se vocês tiverem filhos, ou tarefas de escola, ou relatórios semestrais, se for o caso de ajudar em seus empregos.

Coloco-me à inteira disposição para escrever finais diferentes para filmes que os tenham decepcionado, relatar episódios de séries que vocês tenham perdido, rescrever capítulos de livros mal concluídos, fazer currículos, cartas de recomendação, pautas de jornal.

É uma proposta séria e sincera da minha parte, e espero que vocês me ouçam, e atendam. Mais do que espero, eu lhes peço. Por favor me mandem quaisquer sugestões que lhes ocorrer.

Da mesma maneira que antes não me neguei a fazer sexo com quem quer que tenha pedido, agora que estou mais velha, e espero mais madura, coloco-me de coração aberto, literariamente, à vossa disposição.

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