A PIOR COISA DO MUNDO ou O NARIZ DE JANE
Jane olhava suas pernas.
“Elas são bonitas”, pensava. “Por que é que eu devo vestir calças e esconder as pernas, e só mostrar meu rosto com meu nariz horrível?”
Jane pensava sempre. Era inteligente. Pena que tivesse o nariz tão feio: pequeno demais, arrebitado demais, com as narinas pra cima parecendo um focinho de porco.
Ficou meia hora na frente do espelho, olhando. Outra meia hora olhou para suas pernas. Depois olhou para o espelho de novo, e se decidiu: saiu de casa sem calças, e com um véu cobrindo o rosto.
Naquele dia de sol quente estavam todos na rua, porque os prédios por dentro pareciam uma fornalha. Todos desconfiaram que era Jane por baixo do véu. Mas todos se sentiram aliviados de não ver aquele detestável nariz.
Era a primeira vez que viam pentelhos expostos na rua. O triângulo deles, bem desenhado, entre a barriga magra e as pernas longas da mulher. Todos olharam e todos souberam que era Jane, mas ninguém soube como reagir.
Um homem assobiou. Jane ficou feliz e foi andando pela estrada. Passaram-se mil e cinquenta e dois dias e ela não voltou.
Na cidadezinha moravam vinte e quatro pessoas. Quando Jane foi embora, sobraram vinte e três. Havia dois prédios. Cada prédio tinha doze apartamentos. Eram pequenos e tinham espaço pra uma só pessoa. Todos se incomodaram com o apartamento vazio depois que Jane partiu.
Eles se reuniram na rua, sentaram no asfalto, e decidiram mandar sinais de fumaça, avisando sobre o apartamento vago.
Alguns dias depois, apareceu um homem muito bonito, interessado no lugar. Mas ele era bonito demais. Na primeira semana ali, um rapaz do último andar do Prédio 1 se apaixonou por ele. Foi recíproco e os dois foram morar juntos. O apartamento de Jane ficou vazio de novo.
O homem bonito se chamava era Alfarrebes Laio. Ele amava muito seu novo companheiro, Alfarrebes Pio. Os dois estavam muito felizes agora.
Os moradores da cidade, irritados com o apartamento vazio, jogaram todos os móveis de Jane na rua, e quebraram tudo com machados.
Apenas Laio e Pio não participaram. Ficaram comovidos, olhando os móveis destruídos.
- Laio, o que vamos fazer com o entulho?
- Não sei, querido. Realmente não sei.
- Mas temos que fazer alguma coisa, Laio.
- Acalme-se, querido. Vou pensar em alguma coisa.
- Tive uma idéia. Vamos construir uma cerca.
- Uma cerca? Será?
- Assim a sombra refresca o asfalto da rua.
- Ótima ideia, Pio.
Depois disso Laio e Pio não tiveram outro problema. Estavam felizes no apartamento e raramente desciam até a rua. A cerca ficou firme e resistia aos ventos mais fortes.
Lisboa Maria Jr. morava no último andar, ao lado dos Alfarrebes. Nunca falava com eles, pois não gostava de homossexuais. (se lhe perguntassem se ela gostava de heterossexuais, ela diria não, também - não sabia a diferença de uma coisa e de outra).
Lisboa era linda, enorme e deliciosa. Gorda mas toda lisa. Às quatro da tarde o sol da janela batia sobre cama dela. Ela abria as pernas e tomava sol. Aquele raio de sol certeiro, quente, alaranjado.
Era a única mulher da cidade, depois que Jane partiu. Ficava o dia inteiro em casa recebendo visitas de seus amigos. Eles tinham feito um escalonamento das visitas, pra que cada um ficasse com ela por tempo igual. Quando um estava indo embora, já chegava outro. Cumprimentavam-se, um saía, outro entrava. Todos sorriam satisfeitos com o acordo que funcionava tão bem.
Uma cidade boa, com uma cerca que refrescava o asfalto. Um cronograma de visitas à mulher que tomava sol entre as pernas. Um casal de homens que se amavam e nunca saíam de casa.
Mas então, mil e tantos dias depois, pela sombra da cerca sobre a rua, veio chegando um carro. Devagar, devagar. Vindo aos poucos em direção à cidade.
Todos ouviram o barulho do motor se aproximando. Todos desceram até a rua. Ninguém se mexeu. Ninguém falou nada.
O carro gastou um tempo longuíssimo para atravessar os vinte e três metros que levavam até os vinte e três habitantes da cidade. Quando enfim ele chegou, parou e abriu suas portas, todos se espantaram.
De dentro do carro saiu uma mulher. Não vestia nada da cintura pra baixo. Seus pentelhos estavam expostos e visíveis. Suas pernas eram lindas. Ela usava um véu sobre o rosto.
Um silêncio se seguiu, curto, mas intenso. Todos tinham esquecendo de Jane. E agora aquela imagem.
Mas a memória é a memória. A cena esquecida há mais de mil dias voltou à lembrança de todos. As pernas nuas. O véu. O assobio.
Era o auge da loucura. O que poderia explicar tudo aquilo?
Mas a explicação era simples. Jane ficou feliz com o assobio e foi andando e andando. Quando percebeu estava perdida. Não sabia pra onde ir, nem como voltar pra casa. Começou a pensar, era inteligente. Ela sabia que a Terra ficava a oeste. Mas oeste é leste pra quem está a oeste do oeste, e ela se confundiu. Foi para leste e se afastou cada vez mais da cidade.
Acontece que a terra é redonda. Se você for sempre na mesma direção, vai chegar onde quer. Pois então: a cidade estava a oeste de Jane. Como ela foi pro leste, teve que dar uma volta enorme. Deu a volta em toda a terra.
Demorou, claro. Mil e cinqüenta e dois dias. Mas ela voltou.
“Elas são bonitas”, pensava. “Por que é que eu devo vestir calças e esconder as pernas, e só mostrar meu rosto com meu nariz horrível?”
Jane pensava sempre. Era inteligente. Pena que tivesse o nariz tão feio: pequeno demais, arrebitado demais, com as narinas pra cima parecendo um focinho de porco.
Ficou meia hora na frente do espelho, olhando. Outra meia hora olhou para suas pernas. Depois olhou para o espelho de novo, e se decidiu: saiu de casa sem calças, e com um véu cobrindo o rosto.
Naquele dia de sol quente estavam todos na rua, porque os prédios por dentro pareciam uma fornalha. Todos desconfiaram que era Jane por baixo do véu. Mas todos se sentiram aliviados de não ver aquele detestável nariz.
Era a primeira vez que viam pentelhos expostos na rua. O triângulo deles, bem desenhado, entre a barriga magra e as pernas longas da mulher. Todos olharam e todos souberam que era Jane, mas ninguém soube como reagir.
Um homem assobiou. Jane ficou feliz e foi andando pela estrada. Passaram-se mil e cinquenta e dois dias e ela não voltou.
Na cidadezinha moravam vinte e quatro pessoas. Quando Jane foi embora, sobraram vinte e três. Havia dois prédios. Cada prédio tinha doze apartamentos. Eram pequenos e tinham espaço pra uma só pessoa. Todos se incomodaram com o apartamento vazio depois que Jane partiu.
Eles se reuniram na rua, sentaram no asfalto, e decidiram mandar sinais de fumaça, avisando sobre o apartamento vago.
Alguns dias depois, apareceu um homem muito bonito, interessado no lugar. Mas ele era bonito demais. Na primeira semana ali, um rapaz do último andar do Prédio 1 se apaixonou por ele. Foi recíproco e os dois foram morar juntos. O apartamento de Jane ficou vazio de novo.
O homem bonito se chamava era Alfarrebes Laio. Ele amava muito seu novo companheiro, Alfarrebes Pio. Os dois estavam muito felizes agora.
Os moradores da cidade, irritados com o apartamento vazio, jogaram todos os móveis de Jane na rua, e quebraram tudo com machados.
Apenas Laio e Pio não participaram. Ficaram comovidos, olhando os móveis destruídos.
- Laio, o que vamos fazer com o entulho?
- Não sei, querido. Realmente não sei.
- Mas temos que fazer alguma coisa, Laio.
- Acalme-se, querido. Vou pensar em alguma coisa.
- Tive uma idéia. Vamos construir uma cerca.
- Uma cerca? Será?
- Assim a sombra refresca o asfalto da rua.
- Ótima ideia, Pio.
Depois disso Laio e Pio não tiveram outro problema. Estavam felizes no apartamento e raramente desciam até a rua. A cerca ficou firme e resistia aos ventos mais fortes.
Lisboa Maria Jr. morava no último andar, ao lado dos Alfarrebes. Nunca falava com eles, pois não gostava de homossexuais. (se lhe perguntassem se ela gostava de heterossexuais, ela diria não, também - não sabia a diferença de uma coisa e de outra).
Lisboa era linda, enorme e deliciosa. Gorda mas toda lisa. Às quatro da tarde o sol da janela batia sobre cama dela. Ela abria as pernas e tomava sol. Aquele raio de sol certeiro, quente, alaranjado.
Era a única mulher da cidade, depois que Jane partiu. Ficava o dia inteiro em casa recebendo visitas de seus amigos. Eles tinham feito um escalonamento das visitas, pra que cada um ficasse com ela por tempo igual. Quando um estava indo embora, já chegava outro. Cumprimentavam-se, um saía, outro entrava. Todos sorriam satisfeitos com o acordo que funcionava tão bem.
Uma cidade boa, com uma cerca que refrescava o asfalto. Um cronograma de visitas à mulher que tomava sol entre as pernas. Um casal de homens que se amavam e nunca saíam de casa.
Mas então, mil e tantos dias depois, pela sombra da cerca sobre a rua, veio chegando um carro. Devagar, devagar. Vindo aos poucos em direção à cidade.
Todos ouviram o barulho do motor se aproximando. Todos desceram até a rua. Ninguém se mexeu. Ninguém falou nada.
O carro gastou um tempo longuíssimo para atravessar os vinte e três metros que levavam até os vinte e três habitantes da cidade. Quando enfim ele chegou, parou e abriu suas portas, todos se espantaram.
De dentro do carro saiu uma mulher. Não vestia nada da cintura pra baixo. Seus pentelhos estavam expostos e visíveis. Suas pernas eram lindas. Ela usava um véu sobre o rosto.
Um silêncio se seguiu, curto, mas intenso. Todos tinham esquecendo de Jane. E agora aquela imagem.
Mas a memória é a memória. A cena esquecida há mais de mil dias voltou à lembrança de todos. As pernas nuas. O véu. O assobio.
Era o auge da loucura. O que poderia explicar tudo aquilo?
Mas a explicação era simples. Jane ficou feliz com o assobio e foi andando e andando. Quando percebeu estava perdida. Não sabia pra onde ir, nem como voltar pra casa. Começou a pensar, era inteligente. Ela sabia que a Terra ficava a oeste. Mas oeste é leste pra quem está a oeste do oeste, e ela se confundiu. Foi para leste e se afastou cada vez mais da cidade.
Acontece que a terra é redonda. Se você for sempre na mesma direção, vai chegar onde quer. Pois então: a cidade estava a oeste de Jane. Como ela foi pro leste, teve que dar uma volta enorme. Deu a volta em toda a terra.
Demorou, claro. Mil e cinqüenta e dois dias. Mas ela voltou.
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