Dylan Dog e os Punks Curitibanos

(artigo para a sessão Porão Brasil – revista Twist, abril de 1991)

Gosto de filmes de terror. Quadrinhos de terror. Mortos saindo das tumbas nos cemitérios. Fantasmas de irmãs vingativas assombrando e assassinando suas antigas famílias. Curitiba nasceu para o terror – aqui não acontece nada. Precisamos de cadáveres, demônios e psicopatas para animar um pouco o dia a dia.

Sou uma moça de família e minha maior contravenção eram os filmes de terror na madrugada da TV Bandeirantes. Quando conheci o primeiro punk no colégio – de coturnos, costeleta e jaqueta preta – achei meio pretensioso. E sujo. Aqui não é Inglaterra nem São Paulo. Quem ele pensa que é?

Mas a fascinação pelo terror nos aproximou. Wallace virou meu amigo. E com ele fui na semana passada ao meu primeiro show punk. “Os cervejas”, no porão do bar do Hermes, dia 9 de março.

O subterrâneo do Hermes é grande e estava cheio. No começo o vocalista Darwin Dias fez um anúncio: “nenhum tipo de violência, pessoal”. Isso pra não proibirem a banda de tocar no Hermes de novo. Ele usava uma camiseta branca do fanzine Wild Stone (muito legal, segundo Wallace). E umas bermudas largas que pareciam pijamas.

Duas guitarras (Germano e Vladimir) e o baterista Tin Tin – digníssimos e acelerados. Tocaram “Human Fly” do Cramps e “Brand New Cadillac” do Clash. E as músicas próprias “Garoto Vaca II”, “Bonanza” e “U-la-la”. Esta última, aliás, foi a única que entendi, pois a letra só dizia isso mesmo: u-la-la, u-la-la. Mas Darwin grita bem – gutural e cavernoso – e isso já diz tudo.

Palco pequeno. Umas poucas garotas nos cantos. No resto do salão uma massa de caras dançando. No começo um twist meio bronco, que logo esquentou. Todos pulando e pogando. Muitos tiraram as camisas, incluindo Darwin e Tin Tin.

No meio do show, queimou o cabo do amplificador, mas fizeram uma gambiarra e seguiram em frente.

Cansei de ficar no canto e aproveitei as últimas músicas para pogar também. Os meninos me abraçaram (punks cavalheiros) e pulamos juntos. Voltei pra casa com a blusa cheirando a suor masculino.

Foi minha primeira noite punk. Preciso agora de umas semanas em casa para meus tímpanos se recuperarem. Aproveito para ler o primeiro número do Dylan Dog, maravilhoso gibi italiano de terror e mistério, que acabou de ser traduzido pela editora Record.

Mas suspiro com saudade dos Cervejas (embora, com 16 anos, eu só tenha bebido refrigerante).


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(trecho do romance juvenil "Anos 1990: uma adolescente em Curitiba" - primeiros capítulos disponíveis no wattpad)

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